📷 Nas nossas cidades, vilas ou aldeias de Portugal, há sempre uma figura que se destaca no meio do reboliço do quotidiano habitual e fazem parte do imaginário popular das mesmas. Postais vivos que identificam um território. São o rosto do imaginário popular. O “Beato Salú” é um exemplo. Esta figura carismática deambula pelas ruas e vielas do centro histórico da cidade de Évora. Encarnou uma missão divina, diz ele. Na minha opinião, um Santo Popular. Como afirmou Padre António Vieira: “Há homens que são como as velas; sacrificam-se, queimando-se para dar luz aos outros.”
O que se faz num fim-de-semana em Évora? Ou depois do trabalho? Fotografar a castiça Évora, sem percurso predefinido e ir ao encontro das gentes. Depois de ter conhecido os principais pontos turísticos e menos conhecidas desta cidade alentejana, optei por conversar com Luís Amaral Martins: o “Beato Salú”. Lá arranjei coragem para pedir-lhe umas fotos. Até parece uma fobia falar e fotografar uma pessoa que vive na rua há mais de três décadas por opção (ou por acreditar em algo). Confessa-me que não gosta de tirar fotos, apesar de ser a figura mais carismática da cidade de Évora. Depois alguns minutos de conversa, junto à Praça do Sertório, ganho coragem e peço-lhe algumas fotografias. Após fazer as ditas imagens, Luís Martins confessa-me: “essas suas fotografias têm a minha energia. Já leva uma parte de mim.” E eu, na minha ingenuidade e curiosidade pelo outro, perguntei-lhe a idade: “Tenho três milhões de anos”. Na sua “loucura”, a meu ver, ele diz muitas verdades sobre os aspectos da nossa sociedade. À medida que íamos falando, inúmeros eborenses vinham cumprimentar o “postal vivo” da sua cidade e os turistas captavam à distância o rosto deste “Gandalf” local. O seu discurso quase profético, a meu ver, demonstrava um Homem culto e informado que, nas minhas surtidas fotográficas no centro histórico de Évora, captava a ler alguns jornais.
Luís Martins é talvez o eborense mais conhecido de Portugal e, talvez, do Mundo. Com mais de sete décadas de vida, fez os seus estudos primários e aos 12 anos tornou-se grumo no café mais emblemático da cidade de Évora: o Arcada. Foi casado e teve um filho, tal como a maioria dos “comuns mortais” desta sociedade. Mais tarde, tornou-se caixeiro viajante, vendendo electrodomésticos pela região do Alentejo. Todavia, houve um momento em que mudou o destino da sua vida. Nos anos 70, numa ida a Fátima, teve uma revelação. Abdicar de tudo, até da família, em nome da sua missão divina. Ainda hoje, não fala com a família. Por opção. Acredita nas energias da natureza e acredita ser uma espécie de “Profeta” de salvar a cidade de Évora das más energias, sejam elas naturais e humanas. Há mais de trinta anos que é fiel a este compromisso divino. Quando toma conhecimento de algum presságio ou calamidade, caminha os dias inteiros entre as arcadas da Praça do Giraldo e da Drogaria Azul, com a sua icónica trolley de viagem, a salvar o mundo local de Évora. É este o seu trabalho, apesar de negar que está sempre a passear ou a descansar num banco de jardim. Há que recarregar energias no seu “O“. Na década de 80 do século XX, o povo de Évora decidiu meter a alcunha de “Beato Salú”, personificando como o vidente da novela brasileira Roque Santeiro (1975). Acima de tudo, pude comprovar que esta pessoa é uma simpatia, muito culto, informado e sempre disposto a contar as suas estórias de vida. |
Para mim, as imagens têm vários poderes: o de transformar, convencer e comover. A fotografia de rua, de facto, permite ao fotógrafo captar a agitação diária de uma urbe, mostrando os sujeitos, os territórios e as realidades que lhe dão corpo. Por vezes, é ela que nos ensina a olhar e a reflectir para assuntos que a nossa mente nem se atreve a imaginar. Mas é esta realidade cruel, e ao mesmo tempo bela, do mundo que me faz apreciar tanto este género fotográfico. Nunca mundo onde cada vez temos menos tempo para sentir e ver, é necessário, a meu ver, parar e olhar para aquilo que nos rodeia. Ah, a eterna máxima de Robert Capa: “Se uma foto não está boa o suficiente , então é porque você não se aproximou o suficiente“. É caso para dizer: aproximem-se!
Luís Martins é, sobretudo, um ser humano. Um “monumento vivo” de Évora (sem o selo da UNESCO). São estas pessoas que fazem parte da memória popular e urbana de uma cidade. Quem disse que é preciso ir ao outro lado do Globo, captar olhares diferentes e genuínos? No Alentejo, e no interior de Portugal, podemos captar a essência das gentes humildes que dão rosto, corpo e alma a um território. Apesar da sua loucura, esta não deixa de ter alguma razão. Como afirmou a poetisa Florbela Espanca: “Afinal, quem é que tem a pretensão de não ser louca? Loucos somos todos, e livre-me Deus dos verdadeiros ajuizados, que esses são piores que o diabo!“. Dá vontade de ir a Évora, e nunca mais sair!
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💻 Texto: Rafael Oliveira 🌎 Fotografia: Oliraf Fotografia 📷
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Luiz Martins, estou em lágrimas ao ler seu texto. O olhar pelo humano sempre me instiga, me faz mover na minha esquizofrenia social. Obrigada por sua existência. Obrigada a esse ser “Beato Salu”
Cara Eloina Alves,
Foi com agrado que recebi as suas palavras que o meu artigo sobre esta figura popular do Alentejo, em especial, da cidade de Évora.
Se tiver oportunidade, aconselho uma visita a esta cidade Alentejana.
Muito Obrigada!